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Vivendo mais

Que a expectativa de vida vem avançando no Brasil não é novidade. Talvez impressione a velocidade, como demonstra a análise das estatísticas de mortalidade de Joinville montadas pela Secretaria de Estado da Saúde. Em meados da década de 90, 85% dos mortos chegavam ao fim da existência antes de completar 80 anos de idade. Eram relativamente raros os octogenários. Agora, o índice recuou para 77% (foi usada, nos dois parâmetros de comparação, a média de dois, para evitar eventuais distorções).

 Portanto, tem mais gente morrendo só depois das oito décadas de vida. Ano a ano, há evolução. Aproveitando a época eleitoral, dá para comprovar a maior longevidade pelo cadastro de eleitores. Entre 2000 e 2010, o eleitorado com idade entre 16 e 59 anos cresceu 31%. No caso do eleitores com mais de 60 anos, pulou 58% no mesmo período. São hoje 43,1 mil eleitores acima dos 60 anos em Joinville. A longevidade não cidade só não cresceu ainda mais, de forma espetacular, por causa do avanço do câncer - a enfermidade atinge muita gente na faixa dos 50-60 anos.

 

 

Opinião de A Notícia
Prevenir é o melhor

Na abordagem de quaisquer aspectos da saúde pública, ninguém nega, de antemão, a importância da prevenção. É um clichê. O popular "melhor prevenir do que remediar" se torna ainda mais verdadeiro quando um tema é examinado de forma mais profunda, como o crack na última edição do Projeto Debates AN. A gravidade dos efeitos da droga provoca uma avalanche de consequências incapaz de ser contida pelas estruturas estatais e a sociedade civil organizada.

O crack provoca rápida dependência, deterioração física e moral, desmantelamento familiar, criminalidade, enfim, tantos danos que o enfrentamento se torna uma tarefa gigantesca, quase inexequível. Ainda mais quando há dificuldade de conectar os vários esforços.

No Debates AN, aproximou-se do consenso a constatação de que há várias iniciativas, seja da repressão, tratamento, prevenção, por exemplo, mas pouca conectividade, interdisciplinaridade. Por isso, a principal conclusão foi a urgência de montar uma rede ligando todas as instâncias dedicadas ao enfrentamento do crack.

O importante é concentrar os esforços na prevenção, mesmo que as demais facetas sejam importantes. É antes da primeira pedra que é preciso ter atenção máxima. Insistir em mostrar cada vez mais os efeitos da droga. E, acima de tudo, contribuir para que o terreno onde brota o consumo tenha cada vez mais dificuldade. Uma vez instalado o vício, complica demais.

Debates de A Notícia
Batalha contra o Carck exige união de forças

Participantes do Projeto Debates A Notícia defendem a criação de uma rede intersetorial que envolva representantes da Justiça, segurança, saúde, educação, assistência social e ONGs.

Fazer funcionar uma rede intersetorial de serviços, que vai da saúde à assistência social, da educação à cultura, da Justiça à segurança pública, é o principal caminho apontado por autoridades e entidades de Joinville como forma de combater o crack.

A necessidade foi enfatizada na quarta edição do Debates A Notícia, projeto que busca discutir assuntos de interesse da cidade mais populosa de Santa Catarina. Realizada na quinta-feira, no auditório do jornal, esta foi a primeira edição aberta ao público. O tema é o alvo principal da campanha Crack, nem Pensar, desenvolvido em seu segundo ano pelo Grupo RBS, com o objetivo de alertar para o problema e ajudar as comunidades a buscar soluções.

Segundo os convidados do debate, o funcionamento dessa rede depende de dinheiro do governo federal, já previsto em planos nacionais contra drogas, e de melhorias no Conselho Municipal de Entorpecentes (Comen). Foi defendida a realização de um seminário para discutir a formação da rede e um fórum permanente sobre dependência química, que viabilize a eleição de delegados municipais e a elaboração de resoluções para combater a droga.

Para Roseli Nabozny, coordenadora da ONG Essência de Vida, que trata de dependentes químicos, esse é o caminho mais correto para que cidadãos, empresas e entidades possam formular e cobrar a execução de políticas públicas. A coordenadora do Centro de Atenção Psicossocial em Álcool e Drogas (Caps AD), Lisete Borba, lembrou que mais de R$ 500 milhões já foram anunciados. Joinville será uma das cem cidades atendidas, mas ainda não recebeu recursos. Segundo ela, há projetos encaminhados ao governo federal.

A necessidade de leitos psiquiátricos para usuários também foi cobrada. O secretário municipal de Saúde, Tarcísio Crocomo, disse que há oficinas do Ministério da Saúde capacitando profissionais de Joinville para a rede intersetorial, mas não deu garantia sobre a ampliação da estrutura existente. Segundo ele, isso depende do ministério.

Para o juiz da Vara da Infância e Juventude de Joinville, Sérgio Junkes, as vagas psiquiátricas seriam uma saída para que a Justiça pudesse encaminhar adolescentes infratores dependentes do crack. De acordo com ele, 60% desses jovens chegam ao Judiciário por causa da droga. O comandante do 8º Batalhão da Polícia Militar, tenente-coronel Edivar Bedin, defendeu medidas mais duras, como criminalizar o uso do crack e a interação compulsória.

Tratamento sem tirar a liberdade

O tratamento de um dependente químico, principalmente usuário de crack, não é individual, afirma Lisete Borba, coordenadora do Centro de Atenção Psicossocial em Álcool e Drogas (Caps AD) de Joinville. A família também "fica doente", nas palavras dela, e precisa de apoio para se recuperar do cotidiano alterado pela droga. Outro fator importante e ainda inexistente é contar com uma pesquisa ampla sobre o problema, em vez de apenas dados esparsos.

Tudo isso extrapola o alcance da saúde, afirma ela. "Se a gente não pegar junto, não vai dar certo. Falo também dos movimentos sociais. Temos de tirar o crack da esfera policial. E entrar na da educação, da assistência social, da habitação", afirma.

Lisete diz que, mais do que dizer que o "crack mata", especialistas costumam citar "funcionalidade". "Tenho [no Caps] usuários de crack há 15 anos que são funcionais. Trabalham e convivem com a família", relata.

No Caps, o dependente não pernoita ou fica internado no local. Os encontros são semanais, durante manhãs ou tardes, tanto para o dependente quanto para familiares. A família ou o usuário tem que procurar o serviço se querer se tratar. O atendimento é aberto, gratuito e não tem limite de participantes.

Repressão

AN – Comandante Bedin, que influência o crack trouxe à atuação da PM e quem é o usuário que os policiais encontram nas ruas?

Edivar Bedin – O que a polícia encontra é o usuário que está no fim da linha. Para nós, em praticamente todos os casos, ou é um doente ou um criminoso. Com respeito a quem tenta salvá-los, mas há situações em que acho impossível. É triste, mas o fato de acabarem mortos é mais alívio do que sofrimento a algumas famílias. O crack torna o usuário violento, desmonta a personalidade. A abstinência da droga vai fazê-lo roubar para comprar mais, para pagar a dívida com o traficante. A situação tem feito cidadãos serem roubados por causa de R$ 5, R$ 10. O usuário perde o medo e a noção. Na operação Centro Seguro, contamos 420 pessoas que estavam nas ruas. Cem usavam crack e 170 tinham cometidos crimes.

AN – Doutor Junkes, na Vara da Infância e Juventude, o senhor também percebe associação entre crack e violência?

Sérgio Junkes – Sim. Podemos dizer que o crack é a principal causa da delinquência juvenil e desagregação familiar hoje. Eu diria que a maioria das infrações graves estão ligadas à droga.

AN – Que tipo de infrações?

Junkes – De furtos a homicídios. Para manter o vício, o usuário furta descaradamente, chega a ameaçar os pais para ter dinheiro. Para piorar, a maioria desses jovens tem pais que usam crack em casa. É uma epidemia assustadora.

AN – E há adolescentes que se recuperaram?

Sérgio Junkes – Infelizmente, boa parte parece não ter volta. Recomendamos que esse adolescente seja tratado. Mas é muito difícil recuperar, principalmente quando a família está desestruturada.

Carlos Farias (plateia) – Faço parte da Associação de Deficientes de Joinville (Adej). Por causa da droga, o cidadão se envolve em acidentes ou leva um tiro e fica na cadeira-de-rodas. Combatendo o tráfico, não acabaríamos com o crack?

Edivar Bedin – Não. Enquanto tiver quem compre, vai ter quem venda. Precisamos acabar com o uso. E não existe mais aquele traficante dos filmes. Hoje, o traficante é usuário. Eles se matam porque em vez do sujeito distribuir a droga, acaba usando e devendo. Aí é ameaçado, se desespera, vai tentar roubar para pagar a dívida.

Planos só no papel

Participante da plateia que se identificou como Margarida – Há 40 anos trabalho na Saúde. A avaliação clínica do dependente químico eu consigo fazer perfeitamente nos postinhos, nos PAs. Mas não tenho onde encaminhá-lo para a avaliação psiquiátrica. Há solução em vista?

Tarcísio Crocomo – Não nego que há limitações. A questão de ter mais leitos psiquiátricos, como se quer, passa por decisões ministeriais. Ter psiquiatras na rede de saúde pública também é complicado. Mas o assunto está sendo discutido. Recentemente, tivemos a terceira oficina do Ministério da Saúde para discutir a melhoria da rede de atendimento biopsicossocial, que é formada por saúde, assistência etc. Está andando.

Sérgio Junkes – Precisamos urgentemente de uma ala psiquiátrica para desintoxicação dessas pessoas. No Judiciário, não sabemos para onde encaminhar usuários em estado crítico.

Lisete Borba – Em julho do ano passado saiu o Pead (Plano de Ação Emergencial para Acesso ao Tratamento em Álcool e Outras Drogas). Quando aprovado pelo presidente Lula, foram liberados R$ 117 milhões. Cem cidades foram priorizadas. Joinville é uma. O plano cria consultórios de rua, casas de passagens, pontos de acolhimento, já que é preciso ter espaços nas comunidades para a pessoa tomar banho, se alimentar, receber orientações.

O Pead prevê tudo isso, mas o problema é que anda a passos de tartaruga. Joinville ainda não rebeceu dinheiro. Aí em maio foi lançado o Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack. Mais R$ 410 milhões.

Em Santa Catarina, Joinville, Blumenau e Florianópolis serão beneficiadas. No papel, tudo é muito bonito, mas o recurso que é bom, nada. Sobre ter uma ala hospitalar para desintoxicação, hoje a Prefeitura gasta o dobro ao pagar para que esses pacientes sejam tratados em outras cidades.

Um modelo de tratamento em 12 meses

Roseli Nabozny coordena uma das comunidades terapêuticas para tratamento de dependentes químicos conveniadas à Prefeitura de Joinville, a Essência de Vida. O centro oferece um tratamento de 12 meses. Metade deles funciona em regime de internação em um sítio em Araquari. No terceiro mês, o dependente é estimulado a receber visitas de parentes e amigos. Após a saída da comunidade, são mais alguns meses de participação em grupos de apoio.

A parte mais difícil, diz ela, é quando o dependente em tratamento reencontra a vida que deixou de lado durante a internação. "Ficar dentro de um programa de um tratamento é muito fácil, entre aspas, porque se está protegido. A reinserção é mais difícil", afirma. O programa visa a abstinência total, em vez da política de redução de danos estimulada pelo Caps AD.

Os números do centro em 2009 mostram um perfil de dependente diferente do que é noticiado. Hoje, 80% têm problemas com várias drogas. 10% são alcoólatras. 60% têm primeiro grau completo ou incompleto. Mas de 37% a 40% têm segundo grau e ensino superior – quase todos envolvidos com crack. E 43% nunca tiveram problemas com a polícia nem com a Justiça."Envolvimento com drogas não é uma particularidade da pobreza", afirma Roseli.

Crack é doença

AN – Após os relatos do comandante Edivar Bedin e do doutor Sérgio Junkes, a senhora (Lisete Borba), que defende a redução de danos, vê um quadro tão irreversível em relação aos usuários?

Lisete Borba – Se eu concordasse com o comandante Bedin, daria um tiro no pé. Respeito, mas não concordo. Há estudos recentes que mostram que usuário, principalmente o adolescente, vai roubar, vai agir por impulso, porque está sob o efeito da substância psicoativa, sobre a qual ele não tem controle. Por isso, para mim, ele continua sendo um doente, que precisa tratar dessa doença. Não é dizendo que ele é criminoso e punindo que vai se recuperar. Outra coisa: não vejo a criança sair de casa porque usa crack, vejo ela usar crack porque tinha uma família desestruturada e acabou abandonada. É por isso que ela foi para a rua. Ou seja, é dando educação, gerando renda, promovendo cultura, que se resolve esse grande problema.

Roseli Nabozny – Dependência química não é só repressão. É também prevenção, tratamento e redução de danos. Nós, da Essência de Vida, atendemos um perfil de pessoa. O Caps AD atende um perfil mais vulnerável. A repressão trabalha no fim da linha, com pessoas que estão numa condição gravíssima da doença. E se ela chegou a esse ponto por causa da droga ou de algum distúrbio psiquiátrico, não há estudos.

Afinal, quem veio antes: o transtorno mental agravado pelo uso da droga ou o uso da droga que desencadeou o transtorno mental? Nisso entra a redução de danos e não a prisão. É preciso cuidar da qualidade de vida de pessoas que não têm chances de se restabelecer. O problema é que a política de redução de dano no Brasil não é entendida, como acontece em países como Canadá, Inglaterra, Estados Unidos. O importante é entender que a dependência não é um crime e sim uma doença.

Limites e lazer

Guilherme Guimbala Júnior (plateia) – Nessa questão da prevenção do uso do crack, gostaria de saber por que o Proerd (Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência) não atende também a adolescentes?

Edivar Bedin – Temos palestras para crianças e pais porque entendemos que, conscientizando a criança, ela vai ser um adolescente a menos usando drogas. É só uma questão de foco nas crianças. Quando defendo com veemência a criminalização, é também num sentido de criar regras e impor limites a crianças e jovens. Quando a criança ou o adolescente ouve que se ele fizer determinada coisa a polícia pega e ela vai para a cadeia, respeita muito mais. Eles crescem respeitando aquilo.

Alguns rumos que foram apontados

Propostas divergentes e polêmicas, no caminho ou na contramão do que prega o Ministério da Saúde, nortearam a quarta edição do Debates AN. Além da rede intersetorial, de mais leitos psiquiátricos e até da criminalização do uso, o encontro abordou assuntos que foram da prevenção à repressão à droga. Confira os principais trechos:

A Notícia – A campanha "Crack, Nem Pensar", do Grupo RBS, entrou em sua segunda fase buscando incentivar soluções para o problema. O que deve ser feito?

Tarcísio Crócomo – Implementar uma rede intersetorial, como já propõe o Ministério da Saúde. Não cabe apenas à Saúde resolver o problema. Precisamos integrar mecanismos para que prevenção, tratamento e repressão andem juntas.

Lisete Borba – Reforço a intersetorialidade. É preciso convidar a Assistência Social, a Educação, a Cultura em discussões como essas. O combate ao crack passa por várias áreas. O que não pode é cada um ficar no seu quadrado. Temos que juntar os serviços na solução e fazê-los debater as ações. Minha sugestão é criar um seminário mais amplo, a partir desse debate, para podermos discutir a criação dessa rede e sua implementação. Curitiba vem fazendo isso.

Sérgio Junkes – O principal é prevenção e repressão. Como juiz da Vara da Infância e Juventude, sinto falta de um local para encaminhar o adolescente infrator que faz uso de crack. Precisamos de uma ala psiquiátrica para desintoxicação desses dependentes. Quanto à prevenção, acho importante campanhas como a da RBS, trabalhos em escolas, universidades. E acho que falta uma questão bastante defendida pelo jornal: o lazer. Joinville não tem um parque. Não tem campinhos para a gurizada jogar futebol, praticar esportes. Teremos uma Olimpíada, uma Copa do Mundo, que podem ser motivo para tirar os jovens das drogas.

Edivar Bedin – Precisamos de seminários sobre o assunto, sim, mas acredito que temos que mudar a lei antidrogas. Defendo a criminalização do uso de entorpecentes. A descriminalização deixa uma brecha muito grande para problema. E não digo que o usuário tem que ser jogado na cadeia, mas precisa de internação compulsória em clínicas. É claro que tem que ter clínicas estruturadas para isso.

Roseli Nabozny – Minha proposta é que a campanha Crack, Nem Pensar conduza à criação de um fórum permanente de discussão sobre dependência química em Joinville. O fórum é que tem poder de elaborar resoluções que podem ser encaminhadas a prefeitos, governadores e órgãos executores das políticas públicas. Só podemos discutir, mas dependemos dos poderes instituídos para colocar em prática uma política pública. O fórum é um passo para, enfim, reestruturamos o Comen (Conselho Municipal de Entorpecentes). É uma vergonha que a maior cidade de SC não tenha um Comen atuante. Não temos como discutir políticas públicas organizadas se não temos um órgão gestor que funcione.